RESIDENCIAL TERAPÊUTICO – MORADA SÃO PEDRO ASPECTOS DE UMA TRAJETÓRIA

 

I - INTRODUÇÃO

O Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP) foi construído em 1884, localizado em uma aérea “rural” (na época), produzindo a  exclusão do louco do meio urbano, acreditava-se que eles necessitavam de ar fresco, água, contato com natureza e de isolamento social para “curar” da loucura seguiam-se os tratamento preconizados na época em que se sugeriam banhos termais e afastamentos para locais aprazíveis aos que assim tenham condições.

    Este aspecto ambiente e espaço social englobavam a escolha da localização e na construção arquitonica dos hospícios. As construções dos manicômios foram permeadas por dispositivos concretos (muros, grades, disciplina) e simbólicos (estigma, mito periculosidade do louco) de exclusão e controle da desrazão do meio social, que por sua vez ao serem classificados como doentes necessitavam de um hospital para atendê-los, se por um lado esta conduta os tirou das prisões e das ruas os levou a um isolamento social, afastando-os de seus familiares e de sua comunidade e foi se instalando gradativamente uma forma de exclusão social , ocorrendo um processo de institucionalização que acarretava fragilizações de seus vínculos sócio-afetivo, o abandono social/familiar e estigma.

O Morada São Pedro surge, então, nesta perspectiva como serviço residencial terapêutico, caracterizando-se como “moradias ou casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de transtornos mentais saídos de internações de longa permanência e que não desfrutem de inteira autonomia social ou não possuam laços familiares. O papel desses serviços é promover a reinserção de sua clientela na vida comunitária”. (Relatório de Saúde de 2002:78). Iniciou suas atividades em dezembro de 2002,  recebendo moradores do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Estes usuários eram moradores do hospital há vários anos, caracterizando processo de institucionalização. O residencial terapêutico tem como objetivo geral possibilitar uma nova forma de assistência em saúde mental impondo a articulação das diferentes políticas públicas[1] a partir de ações integradas.



[1]Saúde, Educação, Habitação, Justiça, Cultura, Meio Ambiente, Obras e Planejamento e  instâncias não governamentais.

 

 

II – PRESSUSPORTOS TEÓRICOS

 

A Política de Saúde, a construção do SUS como rede descentralizada de atenção integral voltada às necessidades dos usuários, com controle social e de resolutividade,  a elaboração da LOS (Lei Orgânica da Saúde), a Reforma Sanitária, a Reforma Psiquiátrica  são pensamentos básicos para implementação destes dispositivos. Porém, é possível perceber que algumas práticas permanecem ligadas exclusivamente  ao modelo clínico-assistencial.

             A proposta de Residencial Terapêutico vai além deste modelo clínico-assistencial,  abre um campo de estratégias, de possibilidades e potencialidades nas quais se podem construir novas formas de saúde, novas formas de inserção nos espaços sociais, à casa, ao tratamento e as relações sociais, culturais e afetivas . O problema já não é tanto a doença em si, mas como estabelecemos relação com ela, ou seja, como se configura a relação entre o sujeito que sofre ou que adoece e a sociedade.

                      A equipe multiprofissional[1] de Saúde Mental do Residencial Terapêutico, trabalha com a perspectiva de serem técnicos de referência da casa, responsáveis pela elaboração do plano de reabilitação psicossocial que visa a inserção do usuário no cotidiano da vida comunitária.    Esses planos de trabalho são baseados nas necessidades dos usuários, sendo elaborados com a participação deles sendo priorizado o atendimento de forma global.

Este processo inicia-se a partir do vínculo terapêutico através do diálogo e da  escuta, bem como, de atividades visando ao reconhecimento do espaço social e sua inserção. O exercício da palavra, a escuta, a expressão do desejo, a possibilidade da escolha, possibilitam o espaço da subjetividade e da autonomia.

Ações aparentemente simples como cuidar de si, do corpo (tomar banho, arrumar unhas, cortar o cabelo, etc) criam um sentido de existir no mundo e para o mundo para estas pessoas.

A partir desta perspectiva este indivíduo transforma-se em morador de uma vila, proprietário de uma residência, pertencente a um grupo a uma vizinhança. Um novo sujeito vai se construindo, um sujeito que tem um percurso, que faz suas compras, que define suas necessidades, que planeja, que administra, ainda que com supervisão, assume seus desejos, ainda que humildes, e vai à busca de realizá-los. Faz lista de supermercado, garante a erva para o chimarrão,  namora, faz visitas, determina o horário de desligar a televisão.



[1] Terapia Ocupacional, Enfermagem, Psicologia, Medicina, Educação Física, Artes Plásticas.

 

III – RESIDENCIAL TERAPÊUTICO E REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL

 

Na definição da Organização Mundial da Saúde, reabilitação psicossocial visa permitir ao paciente alcançar seu nível ótimo de funcionamento independente na comunidade, através da melhoria da competência individual: das habilidades sociais individuais, da competência psicológica, do funcionamento ocupacional , da autonomia e da possibilidade de autodefesa (OMS-AMRP 1997: 12).

Tratar passa a significar ajudar na recuperação da competência social o que implica em resgate e potencialização das condições de estabelecer trocas sociais desse sujeito, de sua família e a da comunidade à qual pertence.

(inserir outros conceitos – Ana Pita).

 

IV – RESIDENCIAL TERAPÊUTICO – MORADA SÃO PEDRO

 

No ano de 1999, foi criado o primeiro espaço de transição, a Casa de Passagem. Este foi um lugar montado como uma  residência,  onde as pessoas puderam morar para aprender a viver em “casa”, com a perspectiva de  sair do hospital. No primeiro momento, a Casa de Passagem causou espanto e medo entre funcionários e moradores do hospital. Sempre existiu uma diversidade de reações diante das iniciativas tomadas com o intuito de transformar a realidade do Hospital. Encontrou-se, nos funcionários e nos moradores,  sentimentos de motivação, entusiasmo, medo, descrença, desconfiança  e também a oposição  ao projeto.

 O projeto Morada São Pedro é um projeto que envolve a Secretaria de Habitação, Saúde , Trabalho e Educação do Estado.

Com este objetivo, o projeto prevê trinta e seis casas  construídas  na vila São Pedro, que se localiza em uma área atrás do hospital. As casas do projeto Morada estão integradas ao replanejamento da vila São Pedro, onde residem pessoas daquela comunidade. Seguindo a portaria ministerial 106 de 11/02/2000, que  dispõe sobre a criação dos serviços residenciais terapêuticos no âmbito do SUS e determina alguns parâmetros que devem ser respeitados na organização das casas, no projeto Morada as casas foram construídas para abrigar no máximo, quatro moradores em cada uma e foi constituída uma equipe de apoio que , conta com 16 monitores e 06 técnicos.

Nem sempre desejavam sair do hospital aqueles pacientes que aparentemente possuiam as “melhores condições”, assim como o conceito de “melhores condições”, é muito subjetivo e precisa estar sempre sendo discutido. 

O desafio é maior do que a simples transferência dos moradores de um local para outro, trata-se de modificar a concepção de exclusão social como forma de resolução de problemas psíquicos, de negociar espaços na cidade para a inclusão dos diferentes, de desmontar as relações de poder estabelecidas com esses moradores e de criar laços de parceria na constituição de novas formas de viver.

 

Texto elaborado por:

-                Gustavo Soares (psiquiatra do Hospital São Pedro / RS)

-                Vera Resende (coordenadora dos SRTs da SES / RS)

-                Vera Sebben (diretora da área de moradia da SES / RS)

 

* este texto foi montado como base para apresentação do Morada São Pedro no Congresso de Psiquiatria em Belo Horizonte (out/2005).

Vera Regina Sebben (Outubro/2005)