VOCAÇÃO E ESCOLHA PROFISSIONAL COMO FATOR DE REALIZAÇÃO (Tamara Ávila)

 

    Pensar em escolha profissional é pensar no mundo do trabalho. E isto nos relembra a crença aprendida de que trabalhar “é um mal necessário”. Essa não é a forma mais positiva de pensar em trabalho. Este é o chavão que a cultura alimenta e que não nos ajuda a encontrar satisfação e realização com o o que fazemos Associamos trabalho à escravidão, a sofrimento, a obrigação. Tendemos a ligar prazer, valor que nossa cultura estima muito, aos momentos de lazer, a hora da cervejinha com os amigos, a hora da balada, a hora de não fazer nada, e nem sequer percebemos que, quando gostamos do nosso trabalho, o prazer vem junto (e o lazer também).

     O todo é mais que a soma de suas partes. Esta é a máxima com que a nova ciência opera. E é a perspectiva com que temos que entender o processo de escolha profissional. Não somos um braço, uma cabeça, um sistema digestivo e mais outros sistemas. Somos todos eles funcionando harmônica e sincronicamente. Ao menos, deveria ser assim. Além disto, somos nossos pensamentos, nossos sentimentos e nossas ações. Aí começa a complicar e a “harmonia”, desaparece.

     Esta “harmonia” de que falamos, pode ser entendida como saúde - um estado de bem-estar, uma experiência subjetiva.  Na nossa cultura mente¹ e corpo estão separados e “saúde” é concebida a partir da doença. Há um sistema de saúde que funciona tratando doenças.

     Fritjof Capra (1996) na sua obra “O Ponto de Mutação” define saúde como uma experiência de bem-estar resultante de um equilíbrio dinâmico que envolve os aspectos físico e psicológico do organismo, assim como suas interações com o meio ambiente natural e social.²

    Esta ideia de saúde nos leva ao conceito de sincronia uma vez que, integrar nossos sistemas internos, representa um passo importante e uma medida de saúde para o equilíbrio pessoal e a harmonia interior.

    As tradições milenares nos falam em sua sabedoria de uma máxima que diz “como é em cima, é em baixo”, mencionando a relação direta entre o sistema de criação do universo e sua réplica no sistema humano. Portanto, somos um microssistema do cosmos com toda sua grandeza.

    Desta forma, pensar a saúde do homem, seu bem-estar, é pensar as suas escolhas, pois elas terão reflexo imediato, em todos os demais sistemas.

   Entretanto, como costumamos agir mecanicamente, a inteligência que faz parte dos sistemas, emite avisos de que as coisas não estão bem e o estresse apresenta seus sinais como forma de buscar o equilíbrio novamente.

   O estresse é, portanto, um desequilíbrio do organismo em resposta a influências ambientais. A interação contínua entre indivíduo e meio ambiente, entre nosso mundo subjetivo e o mundo objetivo, passa por momentos de estresse temporários onde precisamos adaptar-nos a situações e circunstâncias, seja para aceitar ou agir sobre ela.

   É exatamente neste ponto que a inteligência do nosso corpo apresenta duas alternativas: adoecemos, como forma de solução de problemas ou enfrentamos uma crise que, via de regra, tendemos a ver como uma tragédia e não como uma oportunidade de crescimento, de autoconhecimento como deveria ser.

   “Em virtude do condicionamento social e cultural, as pessoas consideram frequentemente impossível aliviar ou descarregar seu estresse de um modo saudável; preferem, portanto – consciente ou inconscientemente – adoecer, como saída. A doença pode ser física ou mental, ou manifestar-se como comportamento violento e temerário, incluindo crimes, abuso de tóxicos, acidentes e suicídios, a que se pode licitamente dar o nome de doenças sociais. Todas essas “vias de fuga” são formas de saúde precária, sendo a doença física apenas uma das numerosas formas patológicas de enfrentar situações estressantes na vida. Por conseguinte, curar a doença não tornará necessariamente o paciente saudável.” ³

  Assim, podemos concluir duas coisas importantes:

  1. Os processos de adoecer e curar-se são essencialmente fenômenos mentais.

  2. O papel da personalidade do paciente é um fenômeno crucial na geração de muitas doenças e, consequentemente, na cura.

   Não quero, a esta altura do que expomos, dizer que a escolha profissional é doença ou coisa semelhante, mas propor a analogia de que, enquanto ideia de todo, cada parte é importante na sua manifestação e que uma escolha profissional inadequada pode nos levar a um estado de menos saúde, menos bem-estar e que nosso hábito de reações mecânicas e inconscientes nos impede de ver o foco do problema, levando-nos a satisfazer-nos com resultados imediatos e simplistas que nos afastam da plenitude e realização que almejamos.

   Portanto, a escolha profissional assume, momentaneamente, um lugar significativo na decisão a ser tomada, visto que representa, em termos de futuro, um investimento na saúde pessoal, na própria felicidade, na prevenção de estados desarmônicos.

   Os passos necessários para iniciar a cura seriam, portanto:

  1. O reconhecimento, pelas pessoas, de que elas participam, consciente ou inconscientemente, da origem e desenvolvimento de sua doença, e que, por conseguinte, também poderão participar do processo de cura.

  2. As atitudes mentais e as técnicas pedagógicas e psicológicas são importantes meios para a prevenção e a cura de doenças.

  3. A vontade da pessoa de ficar bem e a confiança no aconselhamento ou tratamento são aspectos cruciais de qualquer terapia.

    Assim, o aspecto estressor que gerou o desequilíbrio (a enfermidade ou a crise) pode ser uma oportunidade para a introspecção que resolva a raiz do problema. Nosso objetivo passa a ser, então, ajudar as pessoas a entender como seu comportamento e suas escolhas afetam sua felicidade e por acréscimo, sua saúde, e ensina-las a encontrar saídas inteligentes em sua vida cotidiana.

   É exatamente neste ponto que podemos colocar a questão da “vocação”. Há, no mínimo, dois momentos em que o estressor, a crise, se apresenta na escolha profissional: na adolescência e em algum momento na vida em que percebemos a necessidade de nova escolha profissional ou redirecionamento de nossas metas.

   Abandonamos o conceito e o entendimento do que é “vocação” em alguma curva da história e perdemos, com isto, o sentido do trabalho.

   Vocação 4, por definição, representa cumprir aquilo a que o destino nos convoca a fazer, isto é, realizar o que chegaremos a ser, realizar nossos sonhos, cumprir nossa missão nesta vida

   Mais que isto, somos seres sociais e o sentido do que fazemos se amplia na integração com os outros, portanto, nossa vocação se expressa na medida em que serve aos outros, em que é útil à sociedade, no momento em que nos sentimos pertencer a algo válido 5. Este sentimento de pertencer nos dá identidade e passamos a sentir-nos unidos a humanidade, cumprindo nosso destino de desenvolvimento, pois, lembrando, “o todo é mais que a soma das partes”.

  A estratégia para chegar ao encontro da nossa vocação, portanto, é o trabalho investigativo que visa identificar nossas capacidades e habilidades assim como, condicionamentos e fragilidades inoperantes. Para isso, indaga com vários instrumentos a respeito de si mesmo: colhe indicativos, reflete e trabalha a vontade, a inteligência, a imaginação e a criatividade.

   O padrão da personalidade está em nascer num ponto baixo, subir e descer novamente seguindo uma curva descendente. O da vontade, ou Eu superior, é o contrário, nasce num ponto alto, desce e torna a subir numa curva ascendente. Quando conseguimos fazer com que o eu superior se associe à personalidade e nela intervenha, temos soluções estratégicas, porque geramos uma dimensão de consciência6 que nos auxilia a trabalhar a personalidade e encontrar muitas respostas para esse processo investigativo de descobrir nossa vocação.
 

   Precisamos então trabalhar nosso padrão de personalidade utilizando algum instrumento que se destine a iniciar um processo de questionamento que pode levar-nos a uma verdade mais profunda sobre nós e sobre nosso lugar no mundo.

   O objetivo deste trabalho é interromper as reações automáticas da personalidade por meio da conscientização. Quanto mais percebemos nossas reações mecânicas, menor a nossa identificação com elas e maior a nossa liberdade.

   Este é o primeiro passo no processo de aconselhamento vocacional, seguindo-se a utilização de outros instrumentos, como os inventários de interesse profissional, índices de aptidões específicas, predominância dos hemisférios cerebrais e toda uma caminhada investigativa no sentido de buscar e localizar os indicativos de nosso mapa interior que nos auxiliarão nas decisões em geral, e, em especial, na escolha profissional.


Notas

1 Mente é a inteligência que atua dentro dos limites do cérebro.

2 CAPRA, Fritjov. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1996, p. 316.

3 (Idem CAPRA p. 319-20). Encontramos menção da doença como linguagem do corpo/mente, também nos livros de T. Dethlefsen e R. Dahlke da Cultrix: A Doença como Caminho e A Doença Como Linguagem da Alma.

4 “vocatio” do Latim; significa chamamento, convocação.

5 ver Como Reconhecer sua Vocação de Michel Echenique , Edições Nova Acrópole.

6 Para ampliar este conceito ver Estratégias do Pensamento e Projeto de Vida de Michel Echenique, Edições Nova Acrópole.


 
 

Tamara Ávila

Pedagogia, Orientação Vocacional e Aconselhamento Pedagógico

É Pedagoga e possui especialização em Saúde Mental Coletiva. Morou um ano em Buenos Aires onde, na Universidade local, realizou o curso de especialização em Prevenção, Investigação e Tratamento com Abordagem Interdisciplinar no Uso Indevido de Drogas.

Também realizou grupos de familiares de usuários de drogas, de onde acumulou experiência para o trabalho de orientação a pais de usuários que desenvolve na Clínica Arthemysa.

Foi conselheira do Conselho Estadual de Entorpecentes e consultora do Ministério da Saúde – Coordenação de DST/Aids, onde realizou vários trabalhos de treinamento de pessoal no estado e no país, relativos a interface drogas/Aids, assim como produção de material informativo de prevenção (textos, folhetos, projetos).

Tem alguns textos sobre estes temas publicados na Revista do Professor, no livro Saúde e Sexualidade na Escola, da Editora Mediação e no livro O Prazer e o Pensar, da Editora Gente.

A metodologia de trabalho empregada, tanto em grupos como individual, é sistêmica e interdisciplinar buscando a integração da pessoa quanto aos aspectos do pensar, sentir e agir.

Com isto, realiza atividades terapêuticas e de orientação no âmbito da educação e da saúde, buscando uma “pedagogia da saúde” que desperte no indivíduo a necessidade de auto-cuidado como forma de atingir melhor qualidade de vida.

www.clinicaarthemysa.com.br